Pegada hídrica do consumo de ultraprocessados é 10% maior do que de alimentos in natura
Estudo inédito avalia impacto do consumo de ultraprocessados na dieta brasileira em “pegadas” hídrica e de carbono
Por: Anelize Moreira
Você já parou para pensar no impacto ambiental da cadeia produtiva de um ultraprocessado? Aquele que vem em pacote, com diversos aditivos químicos, e que fica bem ao alcance das nossas mãos nas prateleiras dos supermercados? A inserção de ultraprocessados à dieta aumenta a pegada hídrica – ou seja, um maior uso de água para a produção e o consumo de alimentos e, portanto, um maior impacto ambiental.
Este é o resultado de uma análise feita por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Deakin, na Austrália, publicada na “Revista de Saúde Pública” em fevereiro. Esta é a primeira vez que um estudo nacional avalia o impacto do consumo de alimentos ultraprocessados nas pegadas ambientais da dieta. O estudo usou uma estratégia de avaliação que permitiu comparar níveis de diferentes dietas dos brasileiros, como explica a pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, Josefa Garzillo.
“A pegada hídrica da dieta com maior consumo de ultraprocessados é 10% maior do que a com menor nível de consumo de ultraprocessados. Aí podemos dizer: ‘ah, mas 10% parece muito pouco’, porém, devemos lembrar que esse impacto ambiental refere-se ao consumo diário de uma pessoa”.
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O estudo considerou dois bancos de dados: um do consumo alimentar e outro dos coeficientes de impacto ambiental dos alimentos. Foram avaliados dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com mais de 30 mil pessoas, que demonstra a quantidade de alimentos consumidos e também a lista com mil itens com alimentos, bebidas e preparações culinárias que são consumidas no Brasil.
Já os dados de coeficientes ambientais foram levantados a partir de revistas científicas ou nos relatos de desempenho ambiental de produtos que são disponibilizados por algumas empresas de alimentos. Esses coeficientes são popularmente chamados de “pegadas” hídrica e de carbono.
Os dados são calculados por uma metodologia que consiste na avaliação do ciclo de vida de produtos, que vai contabilizar tanto o uso de recursos naturais, como o uso da água na pegada hídrica. As emissões de poluentes como os gases do efeito estufa, que (a pegada de carbono), também são analisadas.
Segundo a pesquisadora, estima-se que a pegada hídrica da dieta com menor consumo de ultraprocessados é de 3.644 litros de água por pessoa por dia e a dieta com maior consumo de ultraprocessados em 4.313 litros de água por pessoa por dia, ou seja, uma diferença de 669 litros de água. Ela ressalta ainda que o valor aproximado é de 28 bilhões de metros cúbicos de água ao ano.
“Para se ter uma ideia do que que isso significa em termos de dimensão, tem um parâmetro de comparação: o reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu tem volume útil de 19 bilhões de metros cúbicos de água. Então, se a dieta praticada por aqueles 20% dos brasileiros que mais consomem ultraprocessados fosse adotado por toda a população somente aqueles 10% a mais de pegada hídrica que antes parecia pouco, equivaleria a uma vez e meia o volume de água do reservatório de Itaipu”.
Em resumo, segundo Josefa Garzillo, o estudo demonstra que a dieta baseada em alimentos in natura que já é praticada pelos brasileiros é mais eficiente do ponto de vista ecológico, especialmente sobre o uso da água.
Josefa lembra que, além da destruição ambiental, o consumo de ultraprocessados também aumenta o risco de desenvolvimento de doenças crônicas. Nos últimos anos o consumo desses produtos foi aumentando nas dietas em vários países do mundo e as consequências para a saúde pública foram aparecendo, com aumento da obesidade, doenças cardiovasculares e elevação da mortalidade associada ao consumo de ultraprocessados.
“O nosso estudo demonstrou que o consumo de ultraprocessados está associado também a uma tendência de aumento da pegada hídrica pela maior ingestão de caloria. Isso evidencia que para escolher uma dieta sustentável, não basta saber se o impacto ambiental de um alimento individualizado se é alto ou baixo, isso é importante e os produtores de alimentos devem mitigar os impactos ambientais do que eles estão produzindo, mas é preciso saber o que acontece em consequência da dieta como todo e como o conjunto de alimentos consumidos afetam tanto a saúde humana como planeta”.
A continuidade das pesquisas sobre os impactos ambientais da alimentação vai acontecer com a atualização dessas estimativas a partir de dados de consumo mais recentes, avaliando eventuais mudanças que os impactos ambientais podem ter causado, ao longo do tempo, em outros grupos de alimentos, como as carnes.
O estudo reforça a recomendação do Guia Alimentar para a População Brasileira de basear a alimentação e ingredientes in natura ou minimamente processados para compor uma dieta saudável e sustentável; e evitar alimentos ultraprocessados.
Edição: Douglas Matos
REvisão Rádio AKI 1: Magali Freitas